Conecte-se conosco

DESTAQUE

Partituras de sufragista são descobertas e ganham vida no piano

Publicado a

em

Os olhos da aluna sorriem enquanto o som do piano domina a sala e os seus sentidos. A professora toca, ensina, mas, neste lugar, também aprende. As notas da música Noturno saem dos dedos da pianista Renata Sica e se espalham pela sala de uma casa na cidade de Araras (SP). Maria José Febraro, de 75 anos, flutua no tempo ao saber que aquela a obra foi composta por uma mulher negra como ela, com sonhos suados parecidos com os dela, com as conquistas de vez em quando e com os nãos de todos os dias. 


Brasília (DF) 20/12/2024 - Professora de piano Renata Sica (e), ao lado da aluna Maria José Febraro (d)75 anos, toca partitura de Almerinda Farias, descoberta pela jornalista e pesquisadora, Cibele Tenório.
Foto: Renata Sica/Arquivo pessoal
Brasília (DF) 20/12/2024 - Professora de piano Renata Sica (e), ao lado da aluna Maria José Febraro (d)75 anos, toca partitura de Almerinda Farias, descoberta pela jornalista e pesquisadora, Cibele Tenório.
Foto: Renata Sica/Arquivo pessoal

Maria José Febraro (direita), de 75 anos, encontrou em Almerinda semelhanças com sua própria história. Ao seu lado, a professora de piano Renata Sica. Foto: Renata Sica/Arquivo pessoal

A autora da música foi a sufragista, datilógrafa e sindicalista Almerinda Farias Gama (1899-1999). Almerinda foi uma trabalhadora alagoana histórica, invisibilizada no século 20 e uma figura até então desconhecida para a professora que tocava, para a aluna que ouvia e para o mundo. As duas sabem que estão diante de uma partitura histórica com as marcas amareladas do tempo.

A primeira a perceber que tinha uma relíquia diante de si foi a pesquisadora Cibele Tenório, doutoranda em história pela Universidade de Brasília (UnB) e jornalista da Rádio Nacional, da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). Foi Cibele quem encontrou as partituras arquivadas na Escola Nacional de Música, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Ritmos

Cibele lançará, no ano que vem, uma biografia sobre Almerinda Farias (pela editora Todavia). Essa biografia nasceu de uma pesquisa de mestrado na UnB, sob orientação da professora Teresa Marques. No percurso para conhecer mais de Almerinda, Cibele descobriu que a sufragista tinha paixão pelo piano e havia criado músicas de variadas inspirações.

“Falamos de uma personagem que foi esquecida”, diz a pesquisadora. Cibele explica que Almerinda, em uma entrevista em 1984, recordou que a avó paterna ensinou francês, prendas domésticas e aula básica de piano. “Ela disse que nunca ingressou em um conservatório na infância. (…) Depois, quando era idosa e se aposentou como datilógrafa, voltou a se dedicar ao piano, o instrumento da infância”, afirma Cibele.

“Vai estragar os dedos”

A trajetória de Almerinda encanta e comove Maria José, que também conheceu o piano na infância. “Saber dessa história de luta, de uma mulher negra como eu, me deu mais vontade de aprender piano”, diz Maria José. A mulher que hoje ouve o instrumento, já escutou dos patrões da mãe, empregada doméstica em um sítio, que não deveria chegar perto do piano da casa. “Disseram que, se eu tocasse, poderia estragar meus dedos”, recorda. 

Hoje, os dedos e o coração da ex-lavradora e empregada doméstica encontram notas – as teclas brancas – e seus bemóis e sustenidos – as pretas – graças à vizinha musicista Renata Sica. “Eu fiquei tocada quando o Instituto do Piano Brasileiro divulgou a descoberta das partituras. Eu queria tocar. E foi como viajar no tempo”, conta a professora. 

Conhecendo Almerinda


Brasília (DF) 22/12/2024 – A jornalista e pesquisadora, Cibele Tenório autora da biografia sufragista Almerinda Farias.
Cibele posa para foto com as partituras inéditas descobertas durante pesquisa
Foto: Joédson Alves/Agência Brasil
Brasília (DF) 22/12/2024 – A jornalista e pesquisadora, Cibele Tenório autora da biografia sufragista Almerinda Farias.
Cibele posa para foto com as partituras inéditas descobertas durante pesquisa
Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

A jornalista e pesquisadora Cibele Tenório foi a primeira a perceber a relíquia que tinha em mãos. Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

A divulgação da descoberta das partituras desconhecidas ocorreu a partir da descoberta de Cibele Tenório. Cibele se emocionou quando viu as partituras em suas mãos e depois, ao ouvir a aquele papel amarelado virando música na execução de Renata. “É como se tivesse encontrando com Almerinda”. Mais do que documentos, a música, na prática, faz reviver a personagem. Deixou de ser só história no livro e passou a ser vida entoada.

“A Almerinda tocava piano quando era criança. Também teve a vida toda nas teclas da máquina de escrever. É como se ela tivesse trocado as teclas. Inverteu, na infância, as teclas do piano para as da datilografia. Na velhice, voltou para as teclas em preto e branco”. A pesquisadora explica que Almerinda disse, aos 85 anos de idade, que havia, ao longo da vida, feito mais de 90 músicas. 

As canções foram para a Escola Nacional de Música, no Rio de Janeiro. Cibele localizou 29 obras e conseguiu acesso e liberação para que o material fosse divulgado. “A maioria tem versos e têm a letrinha dela. São de gêneros variados, como baião, valsa, samba…. Como ela afirmou que havia mais de 90 trabalhos, há ainda muito o que vasculhar”. 

As partituras não têm datas identificadas e tratam sobre amor, lendas amazônicas (Almerinda morou em Belém) e até canções de ninar. “Eu comecei primeiro conhecendo a figura pública, uma ativista pelo direito das mulheres. Depois, descobri as partituras”. Os papéis eram uma conquista, mas os sons levaram a descoberta a uma outra dimensão.

Divulgação


Brasília (DF) 20/12/2024 - Almerinda Farias em seu piano
Foto: Almerinda Farias/Arquivo pessoal
Brasília (DF) 20/12/2024 - Almerinda Farias em seu piano
Foto: Almerinda Farias/Arquivo pessoal

Almerinda Farias iniciou seus estudos no piano ainda criança. Foto: Almerinda Farias/Arquivo pessoal

Os sons se tornaram possíveis também porque a pesquisadora levou as partituras para o Instituto do Piano Brasileiro para que pudesse haver divulgação dos materiais. “A gente já publicou mais de 4 mil vídeos de partituras de compositores brasileiros [anônimos]”. Depois de veiculado na página do instituto, pianistas se interessaram em fazer que a música não ficasse somente em papéis antigos. “As músicas da Almerinda são simples. Podem ser tocadas em ambiente doméstico ou recitais”, diz o presidente do instituto, Henrique Dias. Ele explica que as canções funcionam no piano solo, mas também podem e devem ser cantadas.

“O que mais me chamou atenção foi ver o ecletismo dessa intelectual. Mostra que mente vivaz e afiada que ela era”, diz o pianista. Para Cibele Tenório, a sensação de ouvir foi diferente. Mais do que método, papéis e teoria, há sentimentos que a pesquisadora não consegue explicar racionalmente.

“Meu encontro com a Almerinda também é proporcionado pela ancestralidade. Sou filha de uma mulher negra e a minha pesquisa é, de alguma maneira, um reencontro com a minha mãe [que faleceu quando a pesquisadora era adolescente]”. O resgate é para que as pessoas não sejam esquecidas. 

Revolucionária

Pesquisadora do Programa Avançado de Cultura Contemporânea, do Departamento de Letras da UFRJ, a professora Kátia Santos entende que histórias como a de Almerinda, trabalhadora negra que nasceu 11 anos após a abolição da escravatura, são situações atípicas e revolucionárias. Kátia avalia que, mesmo dentro das próprias famílias negras, a arte acaba não podendo ser a prioridade porque a sobrevivência sempre foi o mais importante. A conquista de Almerinda não foi simples. 

“As mulheres negras são as que mais sofrem a opressão […] Elas têm sempre que se juntar para tentar fazer valer um espaço para elas. Mas a base de tudo isso, para que essas pessoas tenham oportunidade de saber se têm essas aptidões, se querem fazer isso, é garantir a educação”, considera Kátia Santos. 

Para ela, a história de Almerinda mostra uma necessidade cidadã. “Ela queria exercer a arte também. Isso é muito importante”. Essa necessidade agora é da professora Renata, que resolveu tocar e gravar as músicas da sufragista. Uma necessidade também para a aluna de piano Maria José. “Desde criança, eu amei piano. Mas eu era muito pobre e não tinha possibilidade de estudar. Agora, eu consigo. Almerinda é mais uma inspiração para mim”. O silêncio foi desfeito. 


Fonte: Agência EBC de Comunicação

Continue lendo
Clique para comentar

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

DESTAQUE

Familia de Mãe Bernadete move ação de R$ 11,8 milhões por danos morais

Publicado a

em

A família da liderança quilombola Maria Bernadete Pacífico, mais conhecida como Mãe Bernadete, entrou com uma ação na Justiça que pede R$ 11,8 milhões de indenização. O processo foi movido contra a União e o governo da Bahia e a quantia seria uma reparação aos três netos da líder que presenciaram seu assassinato, ocorrido em agosto de 2023, quando tinha 72 anos de idade. Ela foi morta com pelo menos 25 tiros.

Mãe Bernadete era uma das figuras à frente das lutas de resistência do Quilombo Pitanga dos Palmares, situado na cidade de Simões Filho, região metropolitana de Salvador. Ela era yalorixá, ou seja, sacerdotisa de um terreiro de candomblé, além de exercer um papel de destaque na articulação política de sua comunidade.

De acordo com o Ministério Público da Bahia, a execução da líder consistiu em uma forma de retaliação, já que ela havia se colocado contra um grupo que pretendia construir uma barraca que serviria como ponto de venda de drogas, no interior da comunidade.

Quatro dos cinco homens denunciados pelo órgão integrariam uma facção. São eles Ydney Carlos dos Santos de Jesus, Marílio dos Santos, Arielson da Conceição Santos e Josevan Dionísio dos Santos. Estes dois últimos foram apontados como os autores dos disparos.

O quinto denunciado, Sérgio Ferreira, é padrasto de Marílio dos Santos. Sua participação teria significativo peso para o caso, pois, ao que consta, seria ele quem teria munido de informações e orientações os autores do assassinato. As autoridades também investigam um sexto homem, Carlos Conceição Santiago, acusado de ter armazenado as armas utilizadas no crime.

A Agência Brasil procurou a Advocacia-Geral da União (AGU) e o governo da Bahia e aguarda retorno.

Fonte: Agência EBC de Comunicação

Continue lendo

DESTAQUE

Mega-Sena sorteia nesta quinta-feira prêmio acumulado em R$ 10 milhões

Publicado a

em

Postado por

As seis dezenas do concurso 2.819 da Mega-Sena serão sorteadas a partir das 20h (horário de Brasília), no Espaço da Sorte, localizado na Avenida Paulista, nº 750, em São Paulo.

O sorteio terá transmissão ao vivo pelo canal da Caixa no YouTube e no Facebook das Loterias Caixa. O prêmio da faixa principal está acumulado em R$ 10 milhões.

As apostas podem ser feitas até as 19h (horário de Brasília), nas casas lotéricas credenciadas pela Caixa, em todo o país ou pela internet.

O jogo simples, com seis números marcados, custa R$ 5.


Fonte: Agência EBC de Comunicação

Continue lendo

DESTAQUE

Brasil tem pelo menos 9 mil estudantes trans matriculados nas escolas

Publicado a

em

No Brasil, pelo menos 9 mil estudantes trans estão matriculados em escolas públicas das redes estaduais de ensino. Tratam-se de matrículas de estudantes com o nome social em 14 estados e no Distrito Federal. Dentre os estados analisados, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Norte tem o maior número de matrículas.

Os dados são do dossiê Registro Nacional de Mortes de Pessoas Trans no Brasil em 2024: da Expectativa de Morte a um Olhar para a Presença Viva de Estudantes Trans na Educação Básica Brasileira, da Rede Trans Brasil.

O nome social é o nome que a pessoa travesti ou transexual prefere ser chamada. O uso do nome social é um direito garantido desde 2018, pela portaria 33/2018 do Ministério da Educação, que autoriza o uso do nome social de travestis e transexuais nos registros escolares da educação básica, para alunos maiores de 18 anos.

O dossiê, que será oficialmente lançado no próximo dia 29 nas redes sociais da organização, reúne os dados que foram obtidos através do Portal da Transparência.

No ano passado, São Paulo, com 3.451, Paraná, com 1.137 e Rio Grande do Norte, com 839, lideraram, com o maior número de estudantes trans nas redes de ensino. Os estados foram seguidos por Rio de Janeiro (780), Santa Catarina (557), Espírito Santo (490), Distrito Federal (441), Pará (285), Mato Grosso do Sul (221), Goiás (196), Alagoas (165), Mato Grosso (159), Rondônia (157), Amazonas (67) e Sergipe (58).

Além desses estados, o Maranhão apresentou apenas o total de estudantes matriculados com o nome social entre 2018 e 2014, 74 estudantes.

O levantamento mostra que apenas em cinco estados e no Distrito Federal, o número de matriculas com o nome social aumentou entre 2023 e 2024: Santa Catarina, Mato Grosso, Rio de Janeiro, Distrito Federal, São Paulo e no Espírito Santo. Em Sergipe, o número se manteve. Nos demais oito estados, o número de matrículas de pessoas trans caiu.

“O nome social na educação básica é uma questão de respeito mesmo e dignidade, não é moda. É respeito e dignidade. Acredito que quando uma pessoa trans é chamada pelo nome que corresponde à sua identidade de gênero, no caso, mulher trans e travesti feminina e homens trans masculino, ela se sente acolhida e reconhecida naquele espaço”, diz a secretária adjunta de comunicação da Rede Trans Brasil, Isabella Santorinne.

Santorinne ressalta que o respeito faz também com que os estudantes continuem os estudos e não abandonem a escola. Dados da pesquisa Censo Trans também da Rede Trans Brasil mostra que de um grupo selecionado de 1,1 mil mulheres trans, a maior parte, 63,9% não possuíam o ensino médio completo. Dentre elas, 34,7% não chegaram a concluir sequer o ensino fundamental.

“Uma educação mais diversa, inclusive, é essencial para combater preconceitos, construir um ambiente onde todos possam aprender e conviver com respeito, independente da identidade de gênero, orientação sexual, raça, cor. Eu acredito também que ensinar sobre diversidade nas escolas também é preparar os alunos para sociedade”, defende, Santorinne.

Além dos dados da educação básica, o dossiê também mostra que, no Brasil, 105 pessoas trans foram mortas em 2024. Apesar de o país ter registrado 14 casos a menos que em 2023, ainda segue, pelo 17º ano consecutivo, sendo o que mais mata pessoas trans no mundo.

Fonte: Agência EBC de Comunicação

Continue lendo

Últimas

DESTAQUE6 minutos atrás

Familia de Mãe Bernadete move ação de R$ 11,8 milhões por danos morais

A família da liderança quilombola Maria Bernadete Pacífico, mais conhecida como Mãe Bernadete, entrou com uma ação na Justiça que...

DESTAQUE1 hora atrás

Mega-Sena sorteia nesta quinta-feira prêmio acumulado em R$ 10 milhões

As seis dezenas do concurso 2.819 da Mega-Sena serão sorteadas a partir das 20h (horário de Brasília), no Espaço da...

ESTADO2 horas atrás

programa qualificará recém-formados de MS para atuar na agricultura familiar – Agência de Noticias do Governo de Mato Grosso do Sul

Foi divulgado ontem (22) o resultado final das propostas aprovadas no Programa de Residência em Extensão Rural da Agricultura Familiar...

JUSTIÇA2 horas atrás

Com 105 mortes em 2024, Brasil é o país que mais mata pessoas trans

No ano passado, 105 pessoas trans foram mortas no Brasil. Apesar de o país ter registrado 14 casos a menos...

DESTAQUE2 horas atrás

Brasil tem pelo menos 9 mil estudantes trans matriculados nas escolas

No Brasil, pelo menos 9 mil estudantes trans estão matriculados em escolas públicas das redes estaduais de ensino. Tratam-se de...

ESTADO3 horas atrás

Chuva abaixo da média e calor acima são previstos para fevereiro, março e abril em MS – Agência de Noticias do Governo de Mato Grosso do Sul

Tendência meteorológica compilada pelos técnicos do Cemtec (Centro de Monitoramento do Tempo e do Clima), órgão do Governo de Mato...

ECONOMIA3 horas atrás

Caixa paga Bolsa Família a beneficiários com NIS de final 4

A Caixa Econômica Federal paga nesta quinta-feira (23) a parcela de janeiro do novo Bolsa Família aos beneficiários com Número...

ESTADO4 horas atrás

confira dicas da Agems para economizar energia elétrica nesse período – Agência de Noticias do Governo de Mato Grosso do Sul

Com os dias longos de verão e as temperaturas batendo recordes, é essencial adotar práticas conscientes para evitar aumentos excessivos...

DESTAQUE7 horas atrás

Chuvas colocam São Paulo em estado de alerta para alagamentos

A Defesa Civil colocou toda a cidade de São Paulo em estado de alerta para alagamentos por causa das fortes...

DESTAQUE8 horas atrás

TCU suspende R$ 6 bilhões do Pé de Meia; MEC nega irregularidades

Em sessão plenária nesta quarta-feira (22), o Tribunal de Contas da União (TCU) manteve decisão cautelar do ministro Augusto Nardes que...

CONTINUA APÓS O ANUNCIO

Populares

plugins premium WordPress