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Revolta dos Malês: 190 anos da maior rebelião escrava urbana do Brasil

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No dia 24 de janeiro de 1835, trabalhadores africanos escravizados ocuparam Salvador (BA) enfrentando, durante mais de três horas, civis e soldados coloniais na revolta que ficou conhecida como a mais importante rebelião urbana de escravizados do Brasil.

Ainda hoje, 190 anos depois, a Revolta dos Malês é lembrada em estudos, livros, blocos de carnaval, filmes e exposições de arte.

Estima-se que 600 africanos tenham participado do movimento. Proporcionalmente, isso equivaleria a 12 mil pessoas considerando a população atual de Salvador. O historiador baiano João José dos Reis calculou que mais de 70 africanos morreram nos conflitos e cerca de 500, em estimativas conservadoras, foram punidos com penas de morte, prisão, açoites ou deportações.

“Embora durasse pouco tempo, foi o levante de escravos urbanos mais sério ocorrido nas Américas”, afirma o especialista no livro Rebelião Escrava no Brasil: a História do Levante dos Malês (1835).

O historiador dos Reis estima que Salvador tinha, em 1835, 65,5 mil habitantes, sendo 42% escravos (27,5 mil) e 29,8% de negros ou pardos livres (19,5 mil). Os brancos representavam 28,8% da população da capital baiana (18,5mil).

O termo malê era como os africanos muçulmanos trazidos ao Brasil eram chamados, sendo esse o principal grupo que organizou o levante.

Chamada também de Grande Insurreição, o episódio é parte de diversas revoltas que ocorreram na Bahia entre 1807 e 1844, sendo a dos Malês a mais importante delas, segundo pesquisa do historiador e sociólogo Clóvis Moura.

Segundo esse pesquisador, a revolta de 1835 não foi uma eclosão violenta e desorganizada, surgida por um incidente qualquer. Até mesmo um fundo com recursos foi criado para financiar as atividades dos escravizados rebeldes.

“[O levante] será planejado nos seus detalhes, precedido de todo um período organizativo – fase obscura de aliciamento e preparação. Esses escravos se reuniram secretamente em diversos pontos de Salvador. Criaram um clube, também secreto, que funcionava na Barra [da Vitória]”, afirmou Moura no livro Os Quilombos e a Rebelião Negra.

O plano era, após a eclosão da rebelião em Salvador, seguir para os engenhos, o epicentro da escravidão baiana.

“De lá vieram combatentes para a cidade; desta seguiriam as forças rebeldes para levantar a escravaria dos engenhos”, afirmou o historiador João José Reis.

Malês hoje

A revolta ainda ecoa nos dias atuais ao ser resgatada por estudos, livros, filmes, blocos de carnaval e obras de arte. Em 1979, a revolta deu nome ao bloco afro Malê Debalê, de Salvador, que homenageia os que lutaram contra a escravidão em 1835.

Um dos maiores clássicos da literatura brasileira do século 21, o livro Um Defeito de Cor, de Ana Maria Gonçalves, publicado em 2006, conta a história da personagem Kehinde, sequestrada na África e trazida à Bahia no início do século 19.

Na obra, Ana Maria retrata, como pano de fundo do romance, fatos históricos ligados à Revolta dos Malês. Kehinde, rebatizada Luísa Mahin ao chegar a Salvador, participou da revolta e foi a mãe do líder abolicionista Luiz Gama.

No final de 2024, estreou nos cinemas o longa-metragem Malês, estrelado e dirigido por Antônio Pitanga, que retrata a história da insurreição.

A exposição Eco Malês, em cartaz na Casa das Histórias de Salvador até maio de 2025, reúne 114 obras de 48 artistas que refletem a influências contemporâneas da Revolta dos Malês. O acesso à exposição é gratuito nas quartas-feiras.

O curador da exposição, João Victor Guimarães, explicou à Agência Brasil que realizou uma pesquisa sobre práticas artísticas que trazem alguns dos pilares da revolta.

“Temos a própria ideia de que, para alcançar um objetivo comum, é necessário ceder. Os malês tinham como plano matar todos os brancos e os negros que não se convertessem ao islamismo. No entanto, para a revolta avançar, eles negociaram com irmandades cristãs e terreiros de Candomblé”, destacou João Victor.

A revolta

Marcada para o dia 25 de janeiro, data que celebrava o fim do Ramadã, mês sagrado para os muçulmanos, a revolta foi antecipada em um dia após uma delação.

“Vendo que tinham que antecipar a revolta, lançaram-se à carga de qualquer maneira: a situação não comportava mais esperas”, contou Clóvis Moura.

Vestidos com roupas tradicionais dos mulçumanos na Bahia, os rebeldes lutaram pelas ruas da antiga capital brasileira, tentando libertar o escravo Pacífico Licutã, que estava preso, mas não conseguiram.

“Verdadeira carnificina. As posições mais vantajosas dos legais, além da superioridade de armamentos, fizeram com que os insurretos fossem definitivamente batidos”, completou Moura.

Entre as lideranças da insurreição, estavam principalmente os negros nagôs (iorubás), mas também haviam hauças, tapas e de várias outras nações africanas, tanto escravizados, quanto livres.

Entre os líderes do movimento, encontram-se os escravos Pacífico Licutã e Ahuna, além do preto forro Belchior da Silva Cunha, que emprestava a casa para as reuniões, assim como Lupis Sanim e Manuel Calafete.

O historiador João José Reis explica, em sua obra, que a maior independência de que gozavam os escravos urbanos, trabalhando nas ruas para seus senhores, facilitou a organização da revolta.

“Em geral, os escravos percorriam toda a cidade trabalhando para seus próprios senhores ou, principalmente, contratados por terceiros para serviços eventuais. Muitos escravos sequer moravam na casa senhorial”, enfatizou.

Clóvis Moura conta que as lutas escravas ao longo dos quase 400 anos de escravidão no Brasil conseguiam desgastar a classe senhorial em aspectos político, econômicos e psicológicos.

“Quem examina a documentação desse período da nossa história encontra, como uma constante, o medo dessas classes diante do grande número de escravos e da sua possível consciência da exploração a que estavam sujeitos. O exemplo do Haiti é constantemente referido por essas autoridades”, diz Clovis Moura.

Em 1804, o Haiti conquista a independência após uma revolução dos escravizados que fundam a primeira República negra liberta das Américas.  

 


Fonte: Agência EBC de Comunicação

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Portarias prorrogam permanência da Força Nacional no Pará e Paraná

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Edição desta sexta-feira (24) do Diário Oficial da União publica duas portarias do Ministério da Justiça e da Segurança Pública prorrogando a presença por 90 dias da Força Nacional em operações para preservação da ordem pública.

A Portaria nº 861 estende a atuação da Força Nacional no Centro Integrado de Operações de Fronteira (Ciof) em Foz do Iguaçu (PR). Segundo a portaria, a Força Nacional apoiará o combate aos crimes transnacionais.

O Ciof atua contra o tráfico de drogas e armas, o financiamento ao terrorismo e a lavagem de dinheiro. A unidade foi construída com o apoio da empresa estatal binacional Itaipu e do governo do Paraná.

Já a Portaria nº 862 “prorroga o uso da Força Nacional na Terra Indígena Alto Rio Guamá, no Pará, em apoio à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai)”, para a “proteção das pessoas e do patrimônio.”

Localizada no nordeste do Pará, entre os municípios de Santa Luzia do Pará, Nova Esperança do Piriá e Paragominas, a terra indígena tem área de 280 mil hectares, onde vivem cerca de 2,5 mil indígenas das etnias Tembé, Timbira e Ka’apor.

Fonte: Agência EBC de Comunicação

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São Paulo tem ruas e estação do Metrô alagadas após fortes chuvas 

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A cidade de São Paulo entrou em estado de atenção para alagamentos na tarde desta sexta-feira (24). Registros de carros presos em enchentes e de grande volume de água começaram a surgir por volta das 16h e mostraram enchentes na zona Norte, onde uma estação da linha 2 do Metrô foi alagada. 

Na zona Oeste, o turístico Beco do Batman virou um rio com forte correnteza e, entre a zona Norte e a zona Leste, foram registrados diversos pontos de alagamento. Na zona Norte, parte do teto do Shopping Center Norte desabou. Até o momento, não houve registro de vítimas. 

Os bombeiros informaram outros dois desabamentos na região metropolitana e 20 chamados para alagamentos. O Centro de Gerenciamento de Emergências (CGE-SP) confirmou 10 alagamentos intransitáveis na cidade.

O estado de atenção foi mantido até as 17h35. Segundo o CGE, as fortes chuvas foram causadas por áreas de instabilidade formadas pela brisa marítima, pelo calor e a alta disponibilidade de umidade, que atuaram com forte intensidade na cidade, principalmente nas zonas Norte e Leste. O CGE informa que as precipitações perderam força e não há previsão de temporais para as próximas horas. 

Houve registro de ventos intensos, com pico de 70,4km/h na região do Aeroporto de Guarulhos, às 15h26. Na região da Vila Maria/Vila Guilherme, onde houve registro de alagamentos, choveu 104,4 mm. Na Vila Madalena, foram 90mm. 

São Paulo teve até ontem, média de 85,4 mm de chuvas, desde o dia primeiro de janeiro. O sistema Saisp, que registra a situação dos rios na região, teve oito veios que extravasaram nesta tarde.

Transporte

As linhas 10, 11 e 13 da CPTM estão com funcionamento parcial. A linha 12 – Safira, que atende a Zona Leste na região que é da várzea do rio Tietê, está paralisada desde as 16h.

As linhas 1 e 2 do Metrô foram afetadas, com estações como a Jardim São Paulo – Ayrton Senna com áreas alagadas. O Metrô registra problemas no trecho entre a estação em questão e a estação Tucuruvi.

Os aeroportos não reportaram impactos significativos até o momento. 

Mensagens 

Por volta de 15h, a Defesa Civil enviou um alerta por sistema de mensagem para praticamente todos os celulares que estavam em redes 5G na cidade. Foi o primeiro alerta “severo” via cellboradcast na capital e o 19º no estado de São Paulo. “Chuva forte se espalhando pela capital paulista com rajadas de vento e risco de alagamento. Mantenha-se em loca seguro”, foi o alerta enviado. 

A Agência Nacional das Telecomunicações (Anatel) regula este tipo de mensagem. São dois tipos de alertas, o extremo e o severo. A gravidade do alerta é definida pela Defesa Civil, de modo que todos os celulares com cobertura 4G ou 5G da região sejam notificados, mesmo que silenciados.

Fonte: Agência EBC de Comunicação

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MAB organiza atos para lembrar seis anos da tragédia em Brumadinho

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Passados seis anos da tragédia ocorrida em Brumadinho, Minas Gerais, quando uma barragem da mineradora Vale rompeu-se, despejando 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos na bacia do Rio Paraopeba – matando 272 pessoas e contaminando água e solo da região –, a realidade local continua sendo de lama, contaminações, rejeitos, poeira e água contaminada para os atingidos.

O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) programou para esta sexta-feira (24) e para o sábado (25), em Belo Horizonte, uma série de eventos com o objetivo de denunciar a situação.

“Até hoje, ninguém foi responsabilizado criminalmente, nem pelo rompimento da barragem, nem pelo assassinato das vítimas”, disse à Agência Brasil a assessoria do MAB. De acordo com a entidade, os programas de reparação só reconheceram 10% das pessoas atingidas pela tragédia.

E, do ponto de vista ambiental, a Vale cumpriu apenas 1% da dragagem de rejeitos prevista em acordo, acrescentou.

Danos

Segundo o MAB, as pessoas ainda não retomaram seu padrão de vida. “Continuam sem fonte de renda, até porque muitas famílias viviam do rio, que até hoje está contaminado. É o caso dos pescadores. Outras famílias viviam de pequenas plantações, em especial frutíferas. Há, até hoje, poeira por todo lado, e não há qualquer certeza sobre a qualidade da terra e da água.”

Ainda segundo o movimento, há muitos casos de pessoas que tiveram a saúde afetada e têm despesas que variam de R$ 300 a R$ 700 com medicamentos. Além disso, há gastos com água potável, uma vez que até as águas das cisternas estão impróprias para uso.

A ruptura da barragem da Vale em Brumadinho, na mina Córrego do Feijão, é considerada uma das maiores tragédias ambientais e trabalhistas do Brasil. A estrutura que se rompeu operava respaldada por auditorias da empresa alemã Tüv Süd, que assinou a declaração de estabilidade.

Outra denúncia do MAB é que não há controle, nem participação popular sobre o processo. A própria mineradora é que gerencia a reparação ambiental da tragédia, que atingiu 26 municípios e cerca de 1 milhão de pessoas.

Alerta

O movimento alerta que o contrato firmado em 2021, entre o governo de Minas Gerais, a mineradora Vale e instituições da Justiça, prevê o encerramento de vários programas, apesar de a maioria das pessoas atingidas não terem sido reparadas.

O assunto será debatido ainda nesta sexta-feira durante reunião de representantes dos atingidos e das instituições que assinaram o acordo – Ministério Público de Minas Gerais, Defensoria Pública, Vale e governo do estado.

“A pauta de discussões inclui o auxílio emergencial previsto no programa de transferência de renda. Ele está sendo cortado pela metade a partir de março e será finalizado em abril de 2026”, informou o MAB, ao ressaltar que se trata de um direito previsto em lei. O movimento referia-se à Política Nacional de Direitos das Populações Atingida por Barragens (PNAB).

A normativa estabelece a garantia do pagamento de auxílio emergencial às famílias atingidas até que o padrão de vida seja restabelecido e também assegura o direito à assessoria técnica independente, o que abrange quadros técnicos que auxiliem e orientem as populações atingidas sobre os danos sofridos e as reparações adequadas.

Participação

“Infelizmente, os atingidos não participam de processos, inclusive da reparação ambiental. É a Vale quem propõe; quem diz o que fazer; quem faz e quem fiscaliza. Na teoria, seria o poder público quem deveria acompanhar, mas não temos informações qualificadas para garantir que é o que, de fato, acontece”, diz o MAB, ao defender que os atingidos acompanhem também o processo de recuperação ambiental.

Para tanto, é fundamental a participação de uma assessoria técnica independente, formada, segundo o MAB, por um corpo técnico de advogados, médicos e assistentes sociais para ajudar os atingidos, inclusive, a melhor entenderem tanto os danos como as formas de reparação.

As atividades alusivas aos seis anos da tragédia incluem tais discussões por meio de assembleias, debates, reuniões com instituições de justiça e, por fim, uma marcha pelas ruas da capital mineira.

A Agência Brasil tentou contato com a assessoria de comunicação da Vale, mas, até o fechamento da matéria, a mineradora não respondeu à reportagem.

Fonte: Agência EBC de Comunicação

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